quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A sala de Quimio...

Há partes de nós bem mais importantes que este pedaço meu que se foi, para me salvar a Vida. Mas, para os outros, a falta desse pedaço tornou-se mais importante que o facto de eu ter temporariamente ludibriado a morte.

Hoje fui a uma consulta no IPO e constatei que essa consulta se iria realizar no local onde eu fiz os meus tratamentos de quimio. Ao entrar naquela sala, oito meses depois da última vez que lá estive, não vi os móveis dispostos de forma diferente, nem tão pouco as funcionárias novas... Vi-me novamente ali, sozinha, e ao mesmo tempo acompanhado, por tantas pessoas, que como eu, esperavam pela sua vez de serem injectados com aquela droga que nos salva e Vida, mas quase nos destrói a Alma. Hoje, ali, naquela hora, acompanhada por uma amiga, contive as lágrimas por vergonha, e ao recordar aquele momento, deixo que finalmente elas caiam. Se me perguntarem por que choro, nem mesmo eu poderei responder. Há coisas que não se explicam, só se sentem. E talvez, só hoje, oito meses depois, eu me tenha permitido chorar por aquela pessoa que era eu, assustada, angustiada e alienada de uma realidade tão sofrida que nos tocava a todos.

Hoje senti, que naquela sala, sofri como jamais havia sofrido na Vida. Sofri na Alma, e esse sofrimento não se arranca de nós. Temos que esperar que, com o tempo, ele seja purgado do nosso íntimo. Talvez eu tenha iniciado hoje esse processo. E, apesar da sala vazia que encontrei hoje, apesar da ausência dos rostos maravilhosos e belos de todos quantos nos trataram, senti que aquela sala era a sala da nossa esperança e o corredor de volta à Vida.

Perdoem-me o desabafo lúgubre e algo triste, mas quando criei este espaço, fi-lo com a intenção de todos, (eu incluída), podermos desabafar e falar sem medo de ferir ou chocar os outros.

Hoje percebi que, ainda que algum dia volte à quimio, jamais será naquela sala. E fechei esse capítulo da minha Vida, anseando que o sofrimento se vá também, tal página que se volta no fim de um livro.

Por isso, quando reparo que, para o comum dos mortais, é mais importante sermos belos e perfeitos e lindos, para todos os que passaram por aquela sala, os que ficaram neste mundo, e os que se foram, o mais importante é que, dentro daquelas paredes, as seringas foram nossa maquilhagem, e a quimio foi nosso sangue, correndo nas veias e levando Vida, onde a Morte tinha já tomado lugar e posse.

E assim conclui-se mais uma etapa. E assim continua a Vida. A minha Vida.

2 comentários:

  1. Eu sabia que, mais tarde ou mais cedo, iria aplicar em si as "receitas" que sempre lembra aos outros que existem... Porque eu sei que é assim que tem que ser. Graças a Deus nunca passei por experiência parecida com a sua, nomeadamente em termos de intensidade de sofrimento, mas sei que somos nós próprios que temos que enfrentar os nossos medos e os únicos realmente capazes de os fazer desaparecer. Ou, pelo menos, fazer com que vão desaparecendo... E sei que, quando finalmente conseguimos ir enfrentando algo que nos apavora, o medo vai dando lugar à esperança. Se deixarmos que se misturem umas quantas lágrimas, a nossa alma vai purificando... Nunca perdi a esperança em si, na sua ENORME capacidade de dar a volta por cima e ver o lado positivo da Vida. Por isso VAI CONSEGUIR.

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  2. Fico muito Feliz por teres conseguido chorar...chorar por vezes faz bem, eu acredito que as lágrimas lavam a alma. Tenho a certeza que o futuro te trará muita felicidade e quando pensares no passado, será só isso...passado.
    Bjinhos. Armanda

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